Resenha: A menina que não sabia ler

Sinopse: 1891. Nova Inglaterra. Em uma distante e escura mansão, onde nada é o que parece, a pequena Florence é negligenciada pelo seu tutor e tio. Guardada como um brinquedo, a menina passa seus dias perambulando pelos corredores e inventando histórias que conta a si mesma, em uma rotina tediosa e desinteressante. Até que um dia Florence encontra a biblioteca proibida da mansão. E passa a devorar os livros em segredo. Mas existem mistérios naquela casa que jamais deveriam ser revelados. Quem eram seus pais? Por que Florence sonha sempre com uma misteriosa mulher ameaçando Giles, seu irmão caçula? O que esconde a Srta. Taylor? E por que o tio a proibiu de ler? Florence precisa reunir todas as pistas possíveis e encontrar respostas que ajudem a defender seu irmão e preservar sua paixão secreta pelos livros - únicos companheiros e confidentes - antes que alguém descubra quem ousou abrir as portas do mundo literário. Ou será que tudo isso não seria somente delírios de uma jovem com muita imaginação?
Autor: John Harding
Páginas: 220
Editora:Leya
Avaliação: Surpreendente.

Faz tempo que esse livro me chamava muito atenção, e me deixou curiosa por muito tempo até que comprei li e fui sendo surpreendida a cada capítulo. Teve um momento na narrativa em que eu fiquei com raiva e ameacei fechar o livro, mas continuei com esperança de não acontecer o que eu mais temia. E a pergunta que ficou em minha mente é por que o autor matou meu personagem favorito? Estou em choque até agora com as reviravoltas que o livro deu na trajetória de Florence, Giles e todos os empregados da Blithe House.

Ao terminar de ler o livro e fiquei frustrada pelo final, se bem que não tenho certeza de que essa seja a palavra ideal para o meu sentimento em relação ao livro, e também sigo intrigada para a falta de respostas com que o livro me deixou, explicarei melhor no decorrer da resenha.

Florence é uma menina que tem ordens de seu tio que a proíbem de aprender a ler, e quando ela descobre a biblioteca proibida da seu jeito para aprender, procura em livros, espia as lições do irmão e aprende a ler. Depois da façanha concluída, ela sempre inventou diversos planos para poder ler seus livros em segurança sem ser pega.

"Dessa maneira, absorvi o Declínio e queda, de Gibbon, os romances de Sir Wlater Scoot, Jane Austen, Dickens, Trollope, George Eliot, e a poesia de Longfellow, Whitman, Keats, Wordsworth e Coleridge, as histórias de Edgar Allan Poe, estavam todos lá. Mas um autor destacou-se entre todos. Shakespeare, é claro. Comecei com Romeu e Julieta, passei para as histórias e logo consumi rapidamente o resto. Chorei pelo rei Lear, fiquei com medo de Otelo e aterrorizada com Macbeth; Hamlet, simplesmente adorei. Os sonetos emocionaram-me. Acima de tudo, me apaixonei pelo pentâmetro iâmbico, estranha paixão para uma garota de 11 anos" 

(Pág. 14/15)

Com tantas leituras ela conseguiu um vocabulário vasto e complexo, que permanecia grande parte do tempo guardado para si, pois os empregados da casa não poderiam suspeitar que ela sabia ler, pois acabariam contando para seu tio, e ela não sabia as consequências disso. Tudo isso também deixou a imaginação da menina aguçada, e pode ter sido este universo fictício que influenciou seus sonhos e suas habilidades "paranormais", por assim dizer. Durante a história ela foi a única capaz de ver todos os fatos inexplicáveis na narração de John Harding, tudo não pode ter passado de uma imaginação perturbada da personagem ou se os outros personagens eram céticos demais, ou não queriam acreditar no que viam por que era mais fácil fingir que não estava ali. Dúvidas que o livro não me deixou resposta. 

A entrada de Theo Van Hoossier na história não me agradou de inicio por que ele chegou exibido e nada simpático, começou fazendo poemas meia boca e roubou um beijo de Florence, o que não foi nada agradável. Pensei que depois disso iria atormentar-la para sempre, mas um doce engano. O personagem que mais me surpreendeu durante a história, ele conseguiu cativar o meu carinho. Pediu desculpas e se redimiu pelos erros que cometera quando conheceu a jovem Flo, e eles cultivaram uma linda amizade repleta de brincadeiras na neve, patinação e confiança. Ele ouviu o desespero da amiga, e apesar de sempre tentar achar uma saída racional para os fatos que ela considerava inexplicáveis, ajudou-a em todo seu plano para proteger ao irmão. 

O livro foi dividido em duas partes. Na primeira parte a garota descobre sua paixão por livros, tenta descobrir mais sobre sua origem, quem seriam seus pais? Ela encontra apenas algumas fotos com cabeças de mulheres cortadas e esse é mais um questionamento sem resposta. Também há a morte da primeira preceptora, que era negligente com Giles, meio irmão de Florence a quem deveria educar, sempre estando mais preocupada com a sua aparência do que com o garoto.

Sobre Giles, na minha visão, ele é um menino ingênuo e com dificuldade de aprendizagem. Foi mandado com 8 anos para escola, mas sofreu muito com a brutalidade e piadas dos colegas, e suas cartas chegavam censuradas a Blithe House, sempre que liam as cartas para sua irmã ela ficava aflita, pois de algum modo sabia que as coisas não estavam completamente na carta, como se faltasse informações corretas sobre como o irmão realmente estava. Foi por causa dos seus problemas que o garoto teve duas preceptoras, a primeira Srta. Whitaker e a segunda, na visão de Florence, a reencarnação desta que veio assombrá-la e roubar seu adorável irmão. 

Na segunda parte o enredo se baseia em Florence conseguir provar que a nova educadora de Giles é uma criatura de outro mundo, um fantasma, uma reencarnação, uma bruxa, ela utiliza de vários termos para nomeá-la mas não consegue dizer o que ela é, apenas sabe das duas habilidades de andar pela água, de espionar através dos espelhos da casa e que toda noite ela estava no quarto do seu meio-irmão o embalando com uma canção de ninar horrenda, e sempre terminava com a fala: "Eu poderia comê-lo". Que por sinal ela começou a ver essas cenas bem antes da mulher chegar em sua casa, sempre tivera sonhos e crises de sonambulismo por causa dela. Até que um tempo depois da chegada a mulher, que conseguia conquistar seu irmão aos poucos e mantê-la afastada do menor, ela começou a vivenciar o sonho, tornou-se real o maior pesadelo. 

Me impressionou como ela deu voltas, como ela chegou a fracassar em tentativas de mostrar ao irmão a bruxa que era a sua preceptora, mas a narrativa foi muito bem construída no insólito ficcional. Eu gosto desse tipo de narrativa, e confesso que antes de abrir o livro para ler não tinha prestado tanta atenção nesse lado da história, e isso foi bom pelo fato que me permitiu mais surpresas a cada página virada. O livro terminou com a incerteza, Florence foi capaz de através tudo para colocar o plano da "bruxa" e a bruxa fora de suas vidas, sem o irmão para atrapalhar ou a mesma se fazer de vítima e levar o garoto embora, como era o seu desejo. A impressão que tenho dela, acho que é contaminada pela visão de Florence, mas as vezes dou razão a Theo, o maior ajudante dela, que infelizmente ela não soube valorizar seu esforço. O amargo desfecho, o suspense de perguntas sem resposta, o fato que muitas perguntas ficam no ar deixam o mistério ainda melhor por que é uma incógnita. 

Os capítulos finais eu ainda não digeri completamente, mas posso dizer que foi a parte mais surpreendente e mais chocante. Florence se revelou como alguém que eu não pensava que seria capaz, mas acho que tudo deve-se ao fato de não possuir seus aliados, ela teve que fazer a própria justiça. E a narrativa se encerra com a versão dela dos fatos, e ela coloca tudo parece estar voltando ao normal, e a narrativa termina. 

Um livro que eu devorei em poucos dias, que me cativou pela construção dos personagens e me revelou o poder da imaginação, ou não, quem sabe? A vida é um misto de realidade e sonho, imaginação e espaço para muitos questionamentos sem respostas? Ou será que não queremos acreditar nas repostas por que não pertencem ao plano racional?